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Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI
Revista oficial da Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología SLaai

Número Atual:  Abril-Junho 2017 - Volume 1  - Número 2


Editorial

Anafilaxia e adrenalina no Brasil: vai, vai, vai..., mas não vai!

Anaphylaxis and adrenaline in Brazil: almost there but not quite

Herberto José Chong-Neto


DOI: 10.5935/2526-5393.20170018

Professor Adjunto de Pediatria, Universidade Federal do Paraná, UFPR




A anafilaxia é definida como uma reaçao de hipersensibilidade generalizada ou sistêmica grave, com risco de morte, de início rápido, caracterizada pelo acometimento de pelo menos dois sistemas (pele e tecido celular subcutâneo, cardiovascular, respiratório e gastrointestinal) ou hipotensao com queda da pressao arterial sistólica superior a 30% do basal após contato com alérgeno previamente conhecido1. Representa uma das mais dramáticas condiçoes clínicas de emergência, tanto pela imprevisibilidade de aparecimento quanto pelo potencial de gravidade de sua evoluçao2.

A conduta dos profissionais de saúde frente à reaçao anafilática representa ponto crucial para a estabilizaçao do paciente, com necessidade de rápido reconhecimento e manejo apropriado desta síndrome. A despeito de diversas diretrizes organizadas por sociedades de especialidade para o diagnóstico e manejo da anafilaxia, estudos têm mostrado que o conhecimento de médicos e profissionais da saúde sobre anafilaxia é divergente nas diferentes regioes avaliadas. Diretrizes nacionais e internacionais recomendam o uso de adrenalina como o fármaco de escolha para tratamento da anafilaxia em crianças e adultos, preferencialmente por via intramuscular, pois atinge pico sérico em torno de oito minutos, superior à via subcutânea1,2.

Em estudo randomizado, Ribeiro et al. aplicaram questionário com perguntas sobre o diagnóstico e tratamento da anafilaxia para verificar o conhecimento de médicos que trabalham em serviços de urgência e emergência em hospitais públicos e privados, bem como na Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e Serviços de Atendimento Médico de Urgência (SAMUs)3. Entre os convidados, responderam ao questionário 79 (66,4%) médicos que atuavam em Hospital, e 78 (37,1%) em UPA/SAMU. Sessenta e nove médicos (43,9%) acertaram o diagnóstico de anafilaxia, e apenas vinte e nove (18,5%) identificaram os sistemas que podem ser acometidos na reaçao anafilática. A adrenalina intramuscular foi referida como primeira opçao de tratamento da anafilaxia por 64 (40,7%), e o glucagon foi escolhido como opçao em pacientes que utilizam β-bloqueadores por 19 (12,1%) médicos.

Em um estudo com médicos norte-americanos foram realizadas entrevistas por telefone, dentre especialistas em alergia e imunologia, emergencistas, médicos de família e pediatras. Encontrou-se, a partir de dados categorizados por especialidade, que problemas respiratórios foram as manifestaçoes clínicas mais citadas, por percentual que variou de 71 a 77% da amostra, seguido de tontura/desmaio, apontado por 52 a 68% dos médicos, edema (38 a 54%) e reaçoes cutâneas (de 26 a 56%). Os autores evidenciaram lacunas de conhecimento sobre anafilaxia entre médicos que atuam em emergência e em atençao primária4.

Em um estudo envolvendo 23 países iberoamericanos, o percentual de uso de adrenalina intramuscular em pacientes com anafilaxia foi referido por 71,1% dos especialistas em alergia/imunologia5. Em outro estudo de intervençao realizado em hospital dos Estados Unidos, apenas 33% dos médicos de um serviço de emergência prescreveriam adrenalina como primeira linha de atendimento, frequência que chegou a 51% após a implantaçao de uma diretriz no serviço pesquisado6.

Ribeiro3 demonstrou que o uso de adrenalina intramuscular foi mais indicado por médicos com menos tempo de formado, e este fato corrobora com um único estudo que avaliou esta variável realizado no Canadá, onde os médicos idosos foram discretamente menos propensos a recomendar o uso IM (OR = 0,98; IC95%: 0,97-0,99)7. A orientaçao quanto aos autoinjetores em Curitiba foi referida por 71 (45,3%) médicos. Surpreendeu de maneira positiva o fato de os médicos orientarem o uso de autoinjetores de adrenalina em quantidade superior ao próprio uso de adrenalina na emergência, pois estes dispositivos ainda nao estao disponíveis no Brasil.

É alarmante o desconhecimento sobre o diagnóstico da anafilaxia, e, mais ainda, a persistência da conduta da adrenalina nao ser a droga de escolha pela maioria dos médicos que trabalham em serviços de urgência e emergência. Estudo com crianças que tiveram reaçoes anafiláticas demonstrou que somente 14% das reaçoes ocorreram em consultórios médicos ou hospitais8. Isto nos faz pensar o quao grande é o risco de pacientes em anafilaxia no Brasil. Se por um lado a maioria das reaçoes ocorrem longe do médico e, infelizmente, ainda nao temos autoinjetores de adrenalina disponíveis comercialmente para aqueles que necessitam dispor deste tratamento no momento de uma crise, por outro lado preocupa o baixo nível de conhecimento dos médicos que atendem emergências, pois menos da metade maneja adequadamente as reaçoes anafiláticas.

Esforços têm sido realizados pela Associaçao Brasileira de Alergia e Imunologia e Sociedade Brasileira de Pediatria, produzindo documentos científicos e cursos práticos que orientam o especialista e o clínico no manejo adequado da anafilaxia, bem como a sensibilizaçao dos órgaos governamentais e a indústria na aprovaçao e comercializaçao de autoinjetores de adrenalina, mas a sensaçao que fica é que vai, vai, vai..., mas nao vai!

 

REFERENCIAS

1. Simons FER, Ardusso LRF, Bilò MB, Gamal YME, Ledford DK, Ring J, et al. World Allergy Organization guidelines for the assessment and management of anaphylaxis. World Allergy Organ J. 2011;4:13-37.

2. Bernd LAG, Sá AB, Watanabe AS, Castro APM, Solé D, Castro FM, et al. Guia prático para o manejo da anafilaxia-2012. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2012,35:53-70.

3. Ribeiro MLKK, Barcellos AC, Silva HGF, Carletto LHM, Bet MC, Rossetto NC, et al. Arq Asma Alerg Immunol. 2017;2:217-25.

4. Altman AM, Camargo Jr CA, Simons FER, Lieberman P, Sampson HA, Schwartz LB, et al. Anaphylaxis in America: a national physician survey. J Allergy Clin Immunol. 2015;135:830-3.

5. Sole D, Ivancevich JC, Borges MS, Coelho MA, Rosario NA, Ardusso LRF, et al. Anaphylaxis in Latin America: a report of the online Latin American survey on anaphylaxis (OLASA). Clinics. 2011;66:943-7.

6. Manivannan V, Hess EP, Venkatesh RB, Nestler DM, Bellolio MF, Hagan JB, et al. A multifaceted intervention increases epinephrine use in adult emergency department anaphylaxis patients. J Allergy Clin Immunol Pract. 2014;2:294-9.

7. Desjardins M, Clarke A, Alizadehfar R, Grenier D, Eisman H, Carr S, et al. Canadian allergists' and nonallergists' perception of epinephrine use and vaccination of persons with egg allergy. J Allergy Clin Immunol Pract. 2013;1:289-94.

8. Mehl A, Wahn U, Niggemann. Anaphylactic reactions in children: a questionnaire-based survey in Germany. Allergy. 2005:60:1440-5.

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